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Afinal, o que é uma peça de roupa cara?

Escrito em 02 de novembro de 2020

Afinal, o que é uma peça de roupa cara?

(fotografia ilustrativa de uma peça da LUS by Carolina Moreira, marca portuguesa disponível na Mesque Concept Store)

Hoje venho falar-vos de um assunto que tem me vindo a fazer cada vez mais comichão, apesar de saber que provavelmente me vou meter em terrenos pantanosos: afinal, o que é uma peça de roupa cara?

É uma peça de roupa que não é para a nossa carteira?
É um valor que achamos elevado para um certo tipo de peça? Ou somos nós que estamos habituados aos preços da fast fashion?

(Atenção que o que vou escrever daqui para a frente é um ponto de vista muito pragmático de uma leiga, tal como a maioria da população em geral!)

Este assunto não é novo nem aqui, nem do outro lado do mundo, por isso vamos deixar as comparações com o fast fashion mais para a frente e vamos constatar factos:

Defendemos que idealmente devemos comprar português, apoiar as nossas marcas e indústrias, numa tentativa de impulsionar a nossa economia. Temos até orgulho e vaidosismo em dizer 'isto é português!'. Mas, quando chega a altura de abrir os cordões à bolsa, 'é muito caro!'.

Então, mas vamos parar para pensar um bocadinho. Quando uma peça chega a uma loja ou a um site - cada vez mais a realidade actual -, temos ali um produto que é só pagar e levar.
No entanto, o início do processo que deu origem aquela peça começou muitos meses antes e envolveu tempo, meios e trabalho.
O preço a que aquela peça é vendida, não veio, por isso, de um papelinho tirado de um frasco de rifas: vem do tempo de quem a idealizou e desenhou, dos meios necessários para ter material para a produzir - matéria prima, locais de produção, transporte - e o trabalho das mãos que fazem essa produção.

Tudo isso, custa dinheiro.

À soma de todos estes elementos, podem acrescer factores que quem está por trás de uma marca pode não conseguir controlar - defeitos de material, erros técnicos ao longo do processo - ou seja, imprevistos. Também estes devem ter uma margem a somar ao preço final, porque nunca acontece só aos outros, por mais cuidadosas que essas pessoas possam ser.

E por fim, vem o lucro. E atenção que esta pode ser a parte em que caímos na tentação da hipocrisia.

Lucro, nem sempre significa que estamos a encher os bolsos a alguém, popularmente falando.
Lucro, significa também que estamos a dar a oportunidade a uma marca de poder investir em mais material e novos produtos, que a façam crescer, inovar e desenvolver-se e que, consequentemente vai gerar mais trabalho e fazer a economia girar.

Sim, com uma pequena parte, também vamos estar a recompensar quem trabalhou para que aquela peça chegasse até nós, é verdade. Mas vamos ser sinceros: ninguém trabalha para aquecer, por mais amor que tenhamos ao que fazemos.

'Mas as peças produzidas em Portugal são muito mais caras do que o fast fashion!'
Não é uma novidade. Mas os custos que já falei aqui em cima também são mais elevados. Por isso, economicamente falando, não é viável uma peça feita em Portugal custar o mesmo que uma peça feita na China, em que provavelmente a produção industrial é um incontável número de vezes maior do que aqui. E isto já para nem tocar em factores mais sensíveis, como as condições de trabalho ou a exploração infantil.

Por isso, antes de verbalizarmos que alguma coisa é cara, devemos pensar em todo o processo que está por trás e valorizá-lo.

(fotografia ilustrativa de uma peça da Maaris, marca portuguesa disponível na Mesque Concept Store)

Depois deste exercício, desafio-vos a fazer outro: quanto é que uma peça me vai custar, ao longo do tempo que a vou usar?

E aí podemos muitas vezes aplicar o famoso ditado 'o barato sai caro'.

Vamos então agora usar o exemplo da fast fashion:

Eu chego a uma loja de fast fashion e compro uma camisa a 30€. É gira e a qualidade é aceitável para o preço. A outra, daquela marca portuguesa, até é mais gira, de melhor qualidade e produzida em Portugal, mas custa 90€. 'Não tenho 90€ para dar por uma camisa, é um exagero.'

A primeira vez que usamos a camisa de 30€ até temos aquelas borboletas na barriga por usar uma coisa nova. A segunda, já nem tanto, mas ainda é quase nova.
Entretanto a camisa foi para lavar. O tecido já não tem bem o mesmo toque, mas não faz mal.
À terceira vez que usamos, já nos cruzámos com mais duas pessoas que têm uma igual. E à quarta, mais outras tantas. Lavagem novamente - sem grandes cuidados, é só uma camisa - e o tecido começou a ganhar borbotos.
Passamos no shopping e há artigos novos naquela loja. ‘Que camisa gira, ainda por cima a outra já está com borbotos’. 30€, passamos o cartão e as borboletas voltaram.
A primeira camisa fica no roupeiro, ‘um dia ainda a posso usar’.
Uns meses depois, lá vai ela para doar ou, com tantos borbotos, se calhar vai para o lixo.

Transformando isto em números, a camisa que custou 30€, a dividir pelas quatro vezes que foi usada, custou-nos 7,5€ por utilização. Mas no meio disto, já gastámos mais 30€ noutra.

Agora imaginemos que tínhamos comprado a camisa de 90€. Juntámos dinheiro durante dois meses e investimos num produto português, fabricado cá, com uma qualidade incrível.
Usamos uma vez, borboletas na barriga. Usamos a segunda, 'ainda bem que a comprei!'.
Vai para lavar: vamos ter todo o cuidado, porque é 'especial', porque tivemos de fazer o esforço para juntar dinheiro para a comprar – afinal, custou 90€.
Terceira e quarta vez de utilização e nunca vimos ninguém com uma igual - afinal é uma produção mais reduzida.
Lavagem outra vez com todos os cuidados e continua impecável. 

Passou um ano e usámos a camisa duas vezes por mês. 90€ a dividir pelas 24 vezes que a utilizámos, são 3,75€. E a camisa continua impecável.

Resumindo, que isto já vais longo: a camisa de fast fashion custou-nos 7,5€ por utilização; a da marca portuguesa, 3,75€.
No fim de contas, o investimento inicial pode ter um maior ou menor custo a longo prazo. E o valor sentimental, também influencia a durabilidade que damos às coisas.

‘Mas assim não tenho tanta roupa!’ Verdade. Mas é tudo uma questão de imaginação e equilíbrio. No final de contas, qual dos pratos da balança é mais pesado: o da quantidade ou o da consciência?

(fotografia ilustrativa de uma peça da BSimple, marca portuguesa disponível na Mesque Concept Store)

Tópicos chave que podemos então retirar desta reflexão:

• pensar no contexto em que uma peça de roupa chega até nós;
• valorizar esse contexto!
• ponderar se a peça de roupa vai efectivamente fazer diferença no nosso roupeiro e que vários tipos de utilização lhe podemos dar – vamos conseguir rentabilizar essa peça?
• a consciência emocional também é um factor de peso na durabilidade do nosso roupeiro!
• o não-tão-recente cliché: quantidade vs. qualidade?

Dicas tão básicas que por vezes até nos esquecemos:

• Informem-se sobre as marcas que compram: as marcas que não têm nada a esconder dão-vos todos os detalhes nas suas plataformas!
• Cuidem da vossa roupa – as etiquetas indicativas estão lá por algum motivo. Não há desculpa!
• Estragou-se por algum inconveniente da vida? Tentem arranjar ou dar uma nova funcionalidade!
• Já não serve ou já não damos utilidade? Passa a outro e não ao mesmo – dar a quem lhe vai dar uso ou vender em segunda mão, para prolongar o tempo de vida das peças!

Vamos começar a repensar as nossas escolhas?🧡


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